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Foto do escritorRaul Otuzi

a_bsurda entrevisa Zeppa Tudisco, artista e publicitário

Atualizado: 5 de jul. de 2020

Conheci o Zeppa quando eu decidi dar um tempo no empreendedorismo e sair da Abelha Rainha. Listei algumas agências bacanas que me interessavam e liguei para a Alta (a minha primeira opção), onde Zeppa era o diretor de criação. Falei que estava voltando ao mercado e se era possível a gente bater um papo. Marcamos um café e a afinidade foi imediata.

Contratado por ele, criamos mais do que uma admiração profissional, desenvolvemos uma bela amizade. Algumas coisas em comum ajudaram: o amor pelo Palmeiras, pela arte, pelas palavras. Foi por isso que o convidei para escrever o prefácio do meu primeiro livro: “Tristes Finais para Começos Infelizes”. Uma honra gigantesca.

Então passaram dois anos e saí da Alta. Pouco tempo depois, Zeppa também. O Engraçado é que em vez de nos distanciarmos, a nossa relação ficou mais forte. Acompanhei a criação da ZPP/Ideias Participativas e o surgimento do Projeto Visão Reflexiva. Confesso que no começo aquela bonequinha cortada pregada ao espelho me causou uma estranheza difícil de explicar (como assim, Zeppa?!…rs). Mas nas obras seguintes, percebi a força da ideia: o poder que a sua arte carrega ao provocar reflexões. Grandes reflexões! Daí, me conquistou totalmente. Afinal, uma das coisas que mais gosto de fazer na vida é pensar. Outra coisa que adoro é fazer amigos. Zeppa me satisfaz nos dois quesitos, é uma das boas amizades que faço questão de cultivar.

Vida longa à sua inquietude, vida eterna à sua arte.

1. Zeppa, além de publicitário, você é artista e tem multitalentos: escreve, pinta, toca… Como você se define? O que te dá mais prazer?

Tenho algo que chamo de Transtorno Hiperativo Criativo (sem precisar do princípio ativo da abreviatura para induzi-lo). Não paro de criar, é uma doença que se cura somente quando pensamentos são concluídos e ideias materializadas. Quem primeiro diagnosticou isso foi minha avó, uma italiana linda, uma artista com múltiplos talentos.

Enquanto me ensinava a tocar piano, me dizia para fazer um pouco de tudo na vida. Ela dizia que dessa forma a chance de me frustrar na vida seria bem menor.

Pena que convivi com ela apenas 14 anos, mas foi o tempo suficiente para aprender um bocado. Até acredito que foi por isso que entrei na publicidade, já que ali poderia encontrar um porto, nem tão seguro, mas que me permitiria atracar minhas multifacetadas ideias.

OBRA CORAÇÃO PARTIDO


O que me dá mais prazer? É aquilo que posso fazer, no momento que percebo que terei prazer com aquilo que posso fazer e como quiser fazer. Isso pode ser através da criação publicitária, fotografia, vídeo, música, pareidolias, literatura, artes plásticas e até o Visão Reflexiva, o projeto mais importante da minha vida.


2. Explique o projeto Visão Reflexiva e como ele surgiu. A receptividade junto às crianças te surpreendeu?

Além de me surpreender, a receptividade dos adolescentes e crianças está trazendo as maiores emoções da minha vida. Entre muitas outras coisas, imagine que um coral de crianças, entre 8 e 10 anos, compôs uma música especialmente para mim e cantou esta música, com todos os ecos e texturas, dentro de minha exposição na Casa De Cultura Marcello Grassmann, em São Simão. Foi aí que entendi porque algumas homenagens são feitas somente depois da morte do autor, o que por pouco não acabou acontecendo (Rs).



ZEPPA RECEBENDO CARINHO DE ADOLESCENTES


Bem, poderia falar um quilômetro de linhas sobre este projeto, mas vou poupar a todos de tanta leitura e convidar para assistir um vídeo onde apresento todo o seu nascimento, conceito, depoimentos e obras.  Mas só para dar uma resumida, posso dizer que em 32 anos de intensa vivência no mercado publicitário nada me impactou mais do que o sincero diálogo estabelecido com o público através da proposta contida no projeto “Visão Reflexiva”.

Pude comprovar que além de tocar o público, mexer com suas emoções, provocar uma reflexão, este projeto me trouxe uma atomizada possibilidade de autoconhecimento.

Nas obras busco representar a nossa estrutura pessoal através de plataformas reflexivas. Estas plataformas recebem aquilo que se pode tocar e que é representado pela metade de um elemento material. Já a parte refletida, representa os sentimentos e tudo àquilo que é muito forte, mas ao mesmo tempo intocável pela ausência da matéria.

Juntando as duas partes, temos um todo, com isso a proposta de um exercício de reflexão em uma época onde a reflexão é rara ou até mesmo inexistente.



Obra A Dúzia. A matemática está em tudo. Já ao acordar temos o despertador que nos mostra números. Na hora de fazer um bolo, calculamos a quantidade de cada ingrediente.  Quando se compra alimentos, pedimos por gramas, quilos, dúzias. Cálculos para a construção do puxadinho também requerem números. E os inúmeros números quando pagamos contas, senhas, taxas e multas? A matemática está no computador, está nos celulares, está em tudo. Você calcula quanto tempo ficou lendo esse texto?

Tive essa ideia no início de 2002, no exato momento do atentado às torres gêmeas, em Nova York. Queria colocar no lugar das torres, uma estrutura de espelho com mais de 40 metros de altura, com um crucifixo cortado ao meio e colado nesta superfície. Uma viagem, né? Uma ideia pra lá de megalomaníaca.  Mas agora, quase duas décadas depois, consegui materializá-la de uma maneira bem mais factível. Fui até uma loja de R$1,99, comprei uma boneca e um crucifixo pequeno, um espelhinho, daqueles de moldura simples, cortei a boneca e o crucifixo ao meio, colei-os no espelho e percebi que funcionava.

Olha aí, mesmo tentando resumir escrevi muito. Veja o filme.


3. Aliás, como funciona o seu processo criativo? De onde nascem suas ideias?

Vivo em um processo criativo permanente onde um trabalho ajuda a construir o outro. Nos trabalhos para a agência, entro no modo subconsciente e deixo lá a ideia moendo, remoendo e processando. Em determinada hora, geralmente nas madrugadas e de baixo do chuveiro, vou recebendo esses materiais processados. Depois disso, parto para o acabamento necessário. Já nos trabalhos artísticos, penso ou sinto a necessidade de tema, entro no modo coração e vou buscar a melhor forma de materializá-lo. E essa materialização ocorre ora na pintura ou escultura, ora em textos e música, ora em fotografia e ora, na hora em que o melhor canal para essa materialização se revela.

OBRA MODO DE OLHAR


E também, antes de olhar, sentir ou ouvir qualquer coisa com exatidão e precisão, faço tudo de uma maneira mais superficial e imprecisa, desta forma corro sempre o risco de ver aquilo que não é o que está lá e com isso criar uma ideia própria.


4. Quais são as suas referências mais importantes? Na vida e na carreira.

É uma pergunta muito difícil. As minhas referências também são multifacetadas. Elas estão na casca colorida do ovo do boteco, no caviar de um restaurante europeu, na cama vagabunda de um hotel barato, na suíte premium de um hotel de luxo, na cachaça e no champagne, no futebol de várzea e na arena Palmeiras…rs. Ela está nas experiências que podem vir do lixo e do luxo.

Esses contrapontos que trazem conteúdo que são usados no desenvolvimento das criações.

De qualquer modo, para não deixar de citar nomes de referências mais famosas, arrisco listar algumas:

Minha avó Lalla: Deu-me a exata base inexata de tudo

Glauber Rocha: Ensinou-me que é possível usar a loucura como elemento criativo.

Tomie Otake: Esclareceu-me que cada coisa tem uma essência em harmonia no universo; o papel do artista é revelá-la.

Hermeto Paschoal: Mostrou-me que a música está em tudo.


Julio Cortázar: Provou-me que o real pode ser fantástico

Marcel Duchamp: Influenciou-me com a ideia de ready made como objeto de arte

São Jorge: Acompanha-me, instrui e protege em tudo que faço. Ou deixo de fazer.



BIANJO. OBRA QUE TRATA O TEMA DA LIBERDADE DE GÊNEROS. INTEGRANTE DO PROJETO VISÃO REFLEXIVA DUO. ZEPPA TUDISCO CONVIDA RENATO ANDRADE PARA DUPLAR COM ELE.


5. Você era sócio da Alta e decidiu empreender novamente. Como foi isso? Conte um pouco sobre a filosofia da ZPP/ Ideias Participativas. Como é o seu dia a dia?

A Alta foi uma grande etapa em minha vida. Um projeto que começou depois de um ano que me mudei de São Paulo para Ribeirão Preto. Um lugar onde pude estabelecer o respeito à criatividade como elemento principal de todo o processo do negócio. Um lugar onde pude trabalhar com profissionais e amigos incríveis, entre eles você, não é Raul?

Mas como mais ou menos a cada 10 anos eu dou uma virada em minha vida, recentemente abri mão de toda segurança de uma agência deliciosa e sólida, como a Alta, e me joguei em uma nova empreitada, onde eu pudesse realizar os meus projetos mais ao lado dos clientes, junto com os clientes, participando e fazendo com que eles participem de todo o processo e, principalmente, pudesse dar mais valor às ideias. Aí nasceu a ZPP/ideias participativas. A primeira providência foi me destituir do cargo de diretor de criação, que exercia a mais de 30 anos, e me denominar diretor de ideias. Meu dia a dia é bastante intenso, tranquilo, nervoso e prazeroso.

Traço os objetivos pela manhã e vou para o enfrentamento.

6. Como você enxerga o impacto da tecnologia/ inteligência artificial em nosso mundo? Como é possível reagir a isso? Tanto no trabalho como na arte.


Não acho que seja o caso de reagir, nem acho que seja um impacto, acho que é simplesmente o estado das coisas. É um processo evolutivo que, ao mesmo tempo em que facilita e traz inúmeros benefícios, tem potência para alterar a capacidade de abstração e até do sentir. É o preço da evolução, não está sob o nosso controle.


7. Como você define inovação. Quem é verdadeiramente inovador hoje e por quê?

Para mim, inovar é conciliar aquilo que é capaz de trazer benefícios, resolver problemas, ser eficiente, transportar e mover sem poluir o planeta, trazer alivio para quem sofre dores, proporcionar diversão, bem-estar e alegria, reduzir diferenças. Seja como isso for feito e transmitido, a meu ver tudo isso é inovar. A inovação é também entender e respeitar sentimentos. Muita gente acredita que exercitar os sentimentos não é um processo de inovação. Mas é sim, e esse exercício tem, mais do que nunca, um papel essencial no progresso-ou atraso-civilizatório, como afirma o brilhante neurocientista António Damásio.

Tudo isso me faz pensar que inovar é aquilo que pode fazer o universo e você melhores.  

8. Uma frustração, uma conquista, um sonho, uma palavra, um som, um sorriso.

Uma frustração: Estou em constante movimento para não tê-la. Ou achar que não a tenho.

Uma conquista: Minha mulher e companheira, a Claudia, que me gerou outras duas grandes conquistas, meus Filhos Luigi e Pietro.

Um sonho: Poder levar o Projeto Visão Reflexiva para muita gente.

Uma palavra: Alma.





ZEPPA E FAMÍLIA. COM OS FILHOS: PIETRO E LUIGI, COM A ESPOSA CLAUDIA

9. Se você fosse Deus, o que criaria?

Uma resposta para esta pergunta.

OBRA SPECULUM SACRAMENTUM


9 ½. Desafio. Faça uma frase juntando “flor”, “desespero” e uma terceira palavra à sua escolha, mas que comece com a sílaba: “pau”

Quando o desespero me bateu revidei com uma insana paulada. E fiquei ali olhando, atônito, inerte, paralisado como um flor.


Obrigado, Zeppa! Muito obrigado, meu amigo.

 Ah, conheça o site do Projeto Visão Reflexiva: CLIQUE AQUI


*entrevista publicada originalmente em 17/08/2018 em www.absurda.co

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